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AS LIÇÕES DE R.Q.

[Manoel de Barros, “Livro sobre nada”]

Aprendi com Rômulo Quiroga (um pintor boliviano)

A expressão reta não sonha

Não use o traço acostumado

Só a alma atormentada pode trazer para a voz um formato de pássaro.

Arte não tem pensa:

O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê.

É preciso transver o mundo.

Isto seja: Deus deu a forma. Os artistas deformam.

É preciso desformar o mundo:

Tirar da natureza as naturalidades.

Fazer cavalo verde, por exemplo. Fazer noiva camponesa voar – como em Chagall.

 

Agora é só puxar o alarme do silêncio que eu saio por aí a desformar

 

Até já inventei mulher de 7 peitos para fazer vaginação comigo

 

Ivan Soter veio de uma família de desenhistas pelo lado paterno. Eram dez irmãos, todos desenhavam e alguns pintavam. Tudo indica que a origem desse talento veio da vovó Acyndina, mãe desses dez, porque um sobrinho dela, e não do vovô Edgar,  denuncia de onde veio a arte: desenha pra caramba.

O menino Ivan seguiu a linha, com e sem trocadilho.

Desenhou, pintou, bordou, mas nunca entrou em concursos para mostrar que era melhor ou pior do que os outros.

Não, participou sim. Foi um concurso para homenagear a Independência do Brasil no IPA, Instituto Porto Alegre, na cidade do mesmo nome. Ivan estava no primeiro ano ginasial, tinha 12 anos e desenhou, pintado a guache, Pedro I entrando a cavalo na Corte. Quem ganhou foi um rapaz do terceiro científico. Uma pintura sofisticada, com bandeiras e cores variadas. Ivan, orgulhosamente, tirou segundo lugar, ganhando um conjunto de esquadros, 45° e 60°. 

E ainda teve que se explicar, porque ninguém acreditava que um pirralho pudesse abocanhar os tão desejados esquadros. Diziam que fora a mãe que desenhara, porque ela dirigia a escolinha de arte do IPA. Os sobreviventes que se lembram da história com certeza continuam a dizer que foi a mãe que desenhou, apesar de ela não ter o necessário dom para tal.

E assim foi desenhando, desenhando, desenhando. Exemplos de seus trabalhos de adolescente foram aproveitados para serem capas dos livros de sua autoria “Quando a bola era redonda” e “Polêmica: o sabor agridoce do futebol”. Idade dele ao executar esses desenhos: respectivamente, 16 e 17 anos.

Desde sempre tem seus artistas preferidos: Grosz, Picasso, Cézanne, Lautrec, Steinberg, Klee, Schiele, Turner.

A cor entrou em sua vida através da aquarela. Aí, pirou, inebriado pela luminosidade e transparência desse meio de pintura.

Passou a frequentar oficinas, ora como aluno, ora como operário. Na primeira delas, adquiriu conhecimentos da técnica com Paulo Penna Firme. Uma doença o obrigou a estudar o assunto aquarela. Foi uma hepatite, que o deixou três meses de molho. Sua companheira Ana Amelia trazia tudo quanto era revista e livro que tratava do assunto.

Curado e animado, foi bater no Calouste Gulbenkian, onde teve a sorte de ser aluno de Orsinda Gomes, que lhe ensinou o bastante (ou quase tudo) para pintar. Orsinda identificou qual a melhor maneira de Ivan aquarelar, fez-lhe íntimo do caráter das tintas (algumas aliás de péssimo caráter, como aquele verde – o veronese – que Orsinda chamava de verde nojento).

Trabalhou com Alberto Kaplan, na Faculdade da Cidade, que o ajudou a liberar as cores para se espalharem pelo papel. E com José Maria Dias da Cruz, no Parque Lage, que o apresentou ao Kandinski, a quem não dava bola e passou a se emocionar ao ver os quadros do russo nos diversos museus que visitou.

Começou a participar de exposições coletivas sob a tutela do Calouste: Caixa Econômica, Clube Militar, Espaço Sérgio Porto, Faculdade da Cidade e no próprio Calouste. Convidado pela Universidade Estácio de Sá - UniversidArte, expôs na Galeria Maria Martins. Realizou individuais na Aliança Francesa da Tijuca, na Maison de France e no Galeria, restaurante que abrigava exposições.

Hoje, encontramos um Ivan totalmente solto, sem um padrão de desenho e pintura, mais levado por tensões que nem mesmo ele sabe de onde vêm e nem como vêm.

Como ensina Manoel de Barros, a força de um artista vem de suas derrotas, só a alma atormentada pode trazer para a voz um formato de pássaro, então, puxou o alarme do silêncio e saiu por aí a desformar.

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